Abdicação de Dom Pedro I
A questão da sucessão do trono de Portugal
D. Pedro I era herdeiro do trono português, mas uma nova união das duas Coroas não agradava aos lusos nem aos brasileiros. Último retrato do imperador antes de sua abdicação. Óleo sobre tela de Simplício R. de Sá, 1830. Domínio público, Museu Imperial
A oposição ao governo de D. Pedro I, localizada especialmente na imprensa e na Câmara dos Deputados, intensificou-se a partir da morte de D. João VI, ocorrida no dia 10 de março de 1826. O problema da sucessão ao trono português, entretanto, já existia, pois D. Pedro era o herdeiro legítimo e, assim, era o imperador do Brasil, situação que poderia gerar a união de duas Coroas sob o mesmo soberano. Isso não agradava a Portugal, que via nessa possibilidade seu progressivo enfraquecimento. Para o Brasil, poderia significar prejuízos à sua emancipação política.
A Inglaterra também via com preocupação essa possibilidade, pois se a Coroa portuguesa, por desistência de D. Pedro, ficasse com seu irmão, D. Miguel, ocorreria uma aproximação de Portugal com a Santa Aliança, o que de modo algum agradaria ao governo inglês. Sabia-se também que o príncipe D. Miguel tinha tendências absolutistas. O governo brasileiro estava atento para evitar medidas que privassem D. Pedro de seus direitos hereditários.
D. Miguel, o segundo na linha sucessória, era próximo dos países absolutistas que formavam a Santa Aliança, o que não agradava a Inglaterra. Óleo sobre tela de Johann Nepomuk Ender, 1827. Domínio público, Palácio Nacional de Queluz
O ministro George Canning – secretário das Relações Exteriores do governo britânico –, presente em diversas negociações diplomáticas que envolveram o Brasil naquele período, chegou a propor que a sucessão monárquica, obedecendo às tradições, recaísse sobre o primogênito. O rei moraria alternadamente no Brasil e em Portugal, conservando as duas coroas sobre sua cabeça.
Outra sugestão levantada foi a de que um dos filhos de D. Pedro I herdasse a Coroa lusa. Como nenhuma solução foi acordada, a questão da sucessão foi deixada provisoriamente de lado e D. Pedro conservou os seus direitos intactos.
Caricatura do francês Honoré Daumier, de 1833, ironizando a briga pela sucessão do trono português, que culminou numa guerra civil eclodida em 1832, opondo constitucionalistas (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel). Domínio público
A morte de D. João VI e a questão sucessória do trono de Portugal
D. Pedro I (Pedro IV para os lusos) renunciou ao trono português em favor de sua filha Maria da Glória. Óleo sobre tela de Thomas Lawrence. Domínio público, Royal Collection
Após a morte de D. João VI, a questão da sucessão foi retomada. Sabendo da morte do pai, D. Pedro I abdicou em favor de sua filha mais velha, Maria da Glória. Durante a menoridade da rainha, entregou a regência do reino lusitano a seu irmão D. Miguel. Este deveria casar-se com a sobrinha e jurar a Constituição que D. Pedro outorgava para Portugal. Estabelecia-se uma situação inversa, pois, dessa vez, a Carta Constitucional saía do Brasil para Portugal.
A Assembleia Legislativa iria reunir-se logo no Brasil e, segundo o Visconde de Barbacena, havia necessidade de esclarecer a situação, pois a "maioria dos brasileiros confunde de boa-fé a reunião das Coroas com a união das nações". A abdicação definitiva de D. Pedro em favor de sua primogênita foi resolvida em menos de uma semana.
A população pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro dizia:
"Entre Pedro e Miguel
Ninguém meta o seu nariz,
Pois se D. Miguel é rei
Foi D. Pedro que o quis".
Abdicação do trono português por Pedro I
Juramento da Constituição Outorgada de 1824 pela nova rainha de Portugal, Maria da Glória (D. Maria II). Desenho de Domingos António de Sequeira, 1826. Domínio público, Museu Nacional de Arte Antiga
Numa época de muitas desconfianças em relação a D. Pedro I, aumentavam os comentários. Insinuava-se que ele, estimulado por portugueses com trânsito livre na corte, sonhava com uma possível reunificação com Portugal. Outros boatos diziam que o monarca vivia distraído, preocupando-se apenas com os problemas que envolviam a filha Maria da Glória.
Um português miguelista, que vivia no Rio de Janeiro, teria declarado que "o imperador, levado agora por Barbacena, tem dito que arranjem os negócios de Portugal (...) que ele não quer mais críticas".
No Brasil, a grande maioria das forças políticas já não acreditava na retidão ideológica de D. Pedro e no seu idealismo. Daí a grita contra o "pé de chumbo", "corcunda", "absolutista", que se espalhava pela oposição, alcançando a Câmara, a imprensa e as ruas.
Mas se no Brasil essa era a imagem de D. Pedro I, em Portugal – um reino em crise, fragilizado política e economicamente, verdadeira "panela de barro", nas palavras do historiador Pedro Octávio Carneiro da Cunha – era visto como um liberal pela maioria da população, que, a partir de 1828, lutava contra D. Miguel. Este, qualificado em correspondências imperiais como "monstruoso Miguel, o Caracala, o Calígula!", anulara, por meio de um golpe político, a Constituição outorgada pelo irmão, usurpara o trono da sobrinha e autoproclamara-se rei.
Em março de 1828, D. Miguel dissolve a Câmara dos Deputados e, em julho, toma posse como rei absoluto de Portugal. Têmpera sobre marfim, 1828. Domínio público, Palácio Nacional de Queluz
Um impresso anônimo, sob o título Confrontações Históricas ou Meditação de Rennes, aponta comportamentos semelhantes entre D. Miguel e D. Pedro. Destaca que ambos rebelaram-se contra o pai e pegaram em armas. O mesmo documento registra: "Deus se lembre de Portugal e o livre dos manos ambos".
Tentando restaurar os direitos da filha ao trono de Portugal e contando com o apoio e o incentivo de constitucionalistas portugueses, D. Pedro resolveu auxiliar financeiramente a luta contra D. Miguel em Portugal. Isso aumentou a crise econômica e financeira vivida pelo Império do Brasil.
D. Pedro também enviou, em 1829, uma missão diplomática à Europa – agora sem o apoio de Canning, falecido em 1827 – buscando ajuda da Santa Aliança quanto aos interesses de D. Maria da Glória. Em troca, oferecia auxílio para que as repúblicas americanas fossem transformadas em monarquias.
Para os portugueses, D. Pedro era liberal. Absolutista era D. Miguel, que, na parte superior desta gravura de 1829, é retratado sufocando indivíduos com o auxílio de D. Carlota Joaquina e do clero. Domínio público, Palácio Nacional de Queluz
Diante desses fatos, cresceu mais ainda o descontentamento das forças políticas de oposição, que entendiam que o imperador estava mais interessado na questão da sucessão do trono português do que nas dificuldades que o Brasil vinha enfrentando.
Fontes:
MultiRio: A questão da sucessão do trono de Portugal
MultiRio: A morte de D. João VI e a questão sucessória do trono de Portugal